A quem interessa a privatização da Caern?Edwin Carvalho comenta sobre a polêmica que envolve o rompimento do contrato de Natal com a Caern. |
O processo instaurado pela Prefeitura de Natal, abrindo a possibilidade de romper o contrato de concessão com a Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern) merece reflexão. Na prática, quebrar o contrato com a Caern significa entregar os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário para a iniciativa privada, uma vez que não há no Estado outra empresa capaz de atender à população. O que pretendo aqui é levantar a questão da privatização e suas implicações técnicas, econômicas, políticas e sociais.
O argumento do Município é de que a empresa não cumpriu cláusulas do contrato, entre elas, o índice de esgotamento sanitário previsto no documento. Segundo consta no contrato, a Caern deveria ter alcançado o índice de 80% de cobertura de coleta de esgotos em 2009. Esse índice, que hoje é de aproximadamente 33%, chegará a 60% até o final de 2010. O mesmo contrato prevê que, até 2017, a Companhia terá que atingir a universalização do serviço, atendendo toda a população.
O contrato em questão foi assinado em 2001, após lei aprovada pela Câmara Municipal de Natal. Neste período, quem governava o país era Fernando Henrique Cardoso, que investiu pouquíssimo, para não dizer nada, em saneamento básico. Natal, assim como as outras grandes cidades brasileiras, incrementou sobremaneira seu desenvolvimento urbanístico e seu índice populacional, ao mesmo tempo em que não teve o saneamento básico como meta a ser alcançada nem pelo governo federal nem pelos governos estaduais até então.
Em todo o país, mais de 100 milhões de pessoas, segundo dados do Instituto Trata Brasil, não dispõem de rede de coleta de esgoto sanitário e 13 milhões não possuem nem banheiro em casa. Para garantir saneamento básico para toda a população brasileira, o investimento necessário é de nada menos que R$ 10 bilhões no prazo de vinte anos. Repito, vinte anos.
Somente a partir de 2007, com o PAC, a questão do saneamento foi tratada com a atenção que merecia. Somados os esforços dos governos federal e estadual, os investimentos em saneamento básico em Natal totalizam mais de R$ 758 milhões, entre obras concluídas, em andamento e com recursos assegurados. Este volume de recursos será suficiente para garantir coleta e tratamento de esgotos para toda a população natalense até 2015, ou seja, dois anos antes do que prevê o contrato de concessão com a Caern.
Se de um lado, a falta de uma política nacional de saneamento comprometeu o avanço das obras no Estado e contribuiu para um baixo índice de coleta e tratamento de esgotos em Natal, por outro, as obras que já estão sendo realizadas vão atingir a universalização antes do prazo previsto no contrato de concessão.
E se privatizar?
Digamos que, mesmo assim, o Município mantenha a intenção de privatizar o serviço oferecido pela Caern. Quebrar o contrato com Natal inviabiliza a prestação do serviço em todo o Estado. Natal é a principal fonte de receita da Caern. A Companhia leva água para 158 sistemas de abastecimento e para mais de 500 comunidades rurais de todas as regiões do Rio Grande do Norte, muitos deficitários, ou seja, que além de não darem lucro, não cobrem sequer os custos para levar a água.
Através do subsídio cruzado, uma parte da receita total da Caern (incluindo a arrecadada na capital) vai para atender esses sistemas “deficitários”, algo que só pode ser feito por uma empresa pública. Alguém imagina uma empresa privada operando sistemas que não dão lucro? Se Natal rompe o contrato com a Caern e inviabiliza o trabalho da Companhia em todos os outros municípios, quem vai absorver o serviço no interior do Estado? Como dizem os engenheiros sanitaristas, saneamento básico é saúde pública e saúde pública não se privatiza, sob pena de excluir quem não pode pagar pelo serviço.
Hoje a tarifa social (aquela que é cobrada para a população mais pobre) praticada pela Caern é a menor do Brasil (R$ 4,35 para cada 10 mil litros de água consumidos por mês), beneficiando cerca de 30% da população. Será que privatizando os serviços, a tarifa cobrada especialmente para a população mais pobre vai continuar? Diferente de outros bens de consumo, água é fonte de vida, não de lucro. E empresa privada sobrevive do lucro, não esqueçamos.
Um leitor pode dizer, então, que a privatização é bem vinda para melhorar a qualidade do serviço. A experiência brasileira diz o contrário. As tentativas de privatizar o abastecimento de água e os serviços de esgotamento sanitário brasileiros mostram que a eficiência das privadas na área de saneamento está aquém da expectativa. Tanto que cidades como Manaus, que privatizaram o serviço, querem desprivatizá-lo e devolver o caráter público que o abastecimento de água requer.
O que fazer?
É inegável que a Caern tem que melhorar muito a qualidade dos serviços. Ações importantes neste sentido estão sendo feitas. A Estação de Tratamento de Esgotos do Baldo está pronta e entra em atividade ainda este ano, tratando os esgotos de 21 bairros de Natal e despoluindo o rio Potengi. A Adutora do Jiqui também foi concluída. É ela quem vai diluir a água dos poços com índice de nitrato acima do que determina o Ministério da Saúde, além de ampliar a oferta de água na capital. Mas ainda há muito a fazer. Muito mesmo. E a Caern sabe disso.
O momento não é de quebra do contrato, mas de sua repactuação. A Lei 11.445, de 2007, que é o marco regulatório do setor de saneamento, prevê que todos os contratos, em todo o país, sejam repactuados até o final de 2010. E repactuar passa pela fixação de novos prazos e metas. O momento é de eficientização do serviço. A Caern precisa melhorar em todos os níveis. E já tem dados sinais claros de melhora.
Os empregados, dos cargos mais elevados à área operacional da Caern, podem e devem contribuir para atingir o nível de excelência que a população tanto cobra e precisa. Vale lembrar, todavia, que a Caern é uma empresa pública, administrada pelo Governo do Estado e cabe ao governo continuar priorizando o saneamento, garantindo a universalização no menor intervalo de tempo possível e dando as condições necessárias para que ela aconteça. O momento, a despeito ser um ano eleitoral, é de união e não de embate político.












