Caern e Município: O que acontece se o contrato quebrar? |
Por: Felipe Gibson
A privatização é um bom ou mau negócio? Não há como negar que a discussão é antiga, mas ainda capaz de render opiniões diversas. Em todo o caso antes de tudo é necessário avaliar como a situação se configura e de que maneira ela pode ficar. Em Natal, um imbróglio que envolve o Município e a Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern) segue uma incógnita sobre seu desfecho, a manutenção do contrato de operação ou a quebra do mesmo, que resultaria na privatização do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário da capital potiguar.
Em maio, o Município entrou com um processo administrativo contra a Caern alegando a quebra de cláusulas contratuais por parte da companhia. O percentual de área saneada em Natal foi considerado muito abaixo do que havia sido definido pelo contrato para a implantação do esgotamento sanitário na cidade. Notificada oficialmente, a companhia elaborou uma defesa, encaminhou para o poder municipal e agora aguarda um posicionamento sobre como as coisas vão desenrolar.
E se o contrato quebrar? Apesar do panorama de indefinição, a possibilidade existe. Como a Caern é uma empresa estatal (99% das ações pertencem ao Governo), uma das soluções possíveis seria a abertura de uma nova concessão, com outra empresa prestando o serviço que hoje cabe à Caern. Segundo procurador geral do Município, Bruno Macedo, neste caso seria aberto um processo licitatório para a escolha de uma nova empresa administradora.
Como o RN não tem outra empresa que preste o serviço da Caern, a licitação aconteceria com concorrência nacional. “Existe uma distância razoável entre a meta e o que foi feito. O dever do Município é interferir quando as metas não estiverem sendo cumpridas”, explica Macedo.
Sobre a possibilidade de quebra do contrato com a Caern, o diretor técnico da Agência Reguladora de Serviços de Saneamento Básico do Município (Arsban), Aristotelino Monteiro Ferreira, disse não crer neste desfecho. De acordo com ele o processo administrativo foi necessário para chamar a atenção da companhia quanto à qualidade do serviço de abastecimento e esgotamento sanitário, e os resultados que se esperam deles. “O processo não é a toa, não se trata de perseguição. O objetivo não é rescindir, é conseguir um serviço de qualidade”, explica.
Questionado sobre a possibilidade de quebra do contrato, Aristotelino Monteiro avalia que além da abertura de licitação, existem outras duas possibilidades. A de o próprio Município assumir o abastecimento e esgotamento sanitário, e a de criar uma empresa municipal para cuidar do serviço. Ambas, segundo o diretor técnico da Arsban, são possíveis do ponto de vista jurídico, mas muito complicadas quando observados fatores econômicos, de logística e recursos humanos.
Para o presidente do Sindicato da Água (Sindágua), Alberto Moura, se o contrato for quebrado, o serviço será privatizado, e dois aspectos o preocupam. O primeiro sobre a estrutura montada pela Caern em 40 anos. De acordo com Moura todo um acerto profissional e técnico foi montado no período e ficaria difícil para outra empresa assumir o serviço sem ter conhecimento profundo sobre a área. “Em termos profissionais é possível substituir, mas quando falamos em know how não”, ressalta o presidente do Sindágua.
No entanto, a questão da estrutura deixada pela Caern é bem mais complexa, segundo conta Aristotelino Pinheiro. O diretor técnico da Arsban explica que a companhia teria direito a uma indenização neste caso. Na defesa apresentada ao Município, o valor é estimado em R$ 1 bilhão, no entanto questões jurídicas tornam tudo bem mais complicado. O poder municipal, por exemplo, pode alegar que as metas estabelecidas no contrato de concessão não foram cumpridas, além da necessidade de uma análise dos equipamentos deixados pela Caern no caso da companhia deixar de operar na capital.
“Antes de tudo, todos os equipamentos teriam de ser avaliados, e isso envolve a avaliação de investimentos e tempo de operação. Saber coisas como há quanto tempo aquela instalação foi colocada, se ela ainda vale a mesma coisa da época em que foi colocada, ou se a companhia não teria conseguido o retorno do investimento pela construção em tarifas, entre outros fatores”, relata Aristotelino Monteiro.
O outro ponto que vem sendo questionado se uma empresa privada assumir o abastecimento da capital é a do fim do chamado subsídio cruzado, hoje utilizado pela Caern para atender os municípios menores. O presidente do Sindágua, Alberto Moura, explica que 50% do faturamento das tarifas vêm de Natal. Adicionado ao arrecadado por outros sistemas superavitários como Parnamirim, Macaíba, Caicó, Pau dos Ferros e Mossoró, o valor possibilita atender mais de 500 comunidades rurais e dezenas de municípios deficitários com uma tarifa de R$ 4,35 para cada 10 mil litros de água consumidos por mês.
Moura analisa que se a empresa responsável pelo serviço for privada, dificilmente ela optará pela política social, já que o que rege esse tipo de instituição é a busca pelo lucro. “A empresa que vier não vem com o cunho social, ela vem para cobrar pelo lucro”, reforça o presidente do Sindágua. O mesmo argumento é utilizado pelo presidente da Caern, Sérgio Pinheiro, que mostra preocupação quanto a Natal deixar de receber os serviços da companhia, já que isso resultaria no aumento de tarifas e na incapacidade de praticar o subsídio cruzado.
Perguntado sobre a questão, o procurador geral do Município, Bruno Macedo, afirmou que “não necessariamente a tarifa cobrada será mais cara”. Aristotelino Monteiro, diretor técnico da Asbarn, lembrou o exemplo da Companhia Energética do RN (Cosern), vendida no fim de 1997 ao grupo Neoenergia. Segundo Monteiro o serviço de qualidade fornecido pela Cosern é a prova de que nem sempre a privatização é maléfica.
Opiniões a parte, o futuro da Caern segue indefinido. A defesa elaborada pela companhia está atualmente com o Município, que formará uma comissão processante para analisar o material e emitir um parecer sobre as alegações da companhia. Para Aristotelino Monteiro, a análise pode ser rápida, mas também pode demorar. O diretor técnico da Arsban espera que haja conciliação entre as partes. Do lado da Caern, o presidente Sérgio Pinheiro adiantou que o posicionamento tanto do Governo quanto da companhia é pelo entendimento e parceria, haja vista que o confronto é prejudicial para as duas partes e principalmente para a população.












